¡Olá! ¿Vão bem?
Meu teclado não está desconfigurado. Tive que aprender os atalhos alt + 173 e alt + 168 pra usar aqui a exclamação e a interrogação invertidas, típicas do espanhol, porque de agora em diante os textos do blog tomarão a liberdade de adotar essa característica da língua vizinha que infelizmente não foi apropriada pelo português: o alerta de entonação antes da sentença.
Esse alerta pode não ser necessário em frases curtas que o olho percorre sem ter tempo de enganar o cérebro quanto à inflexão, mas em frases longas que não começam com pistas – “será que…”, “por que…”, “de onde teria vindo…” – já fui tapeada, tendo que forçar o tom de dúvida ou de brado somente nas últimas palavras de um rosário, gerando algo como pipipi pipipi pipipi pipipi PIPIPI?
Anarquia, firula ou personalidade – tanto faz a apreciação de quem não está na mesma sintonia, pois essa era uma ideia que eu queria ter incorporado há anos por tornar a leitura mais precisa. Já não escrevo sem itálico – em lugares onde ele não é possível acabo fazendo a substituição por maiúsculas – e é só questão de tempo até tornar essa pontuação invertida o “habitual, não fico sem”. E, claro, lamentar que ela não esteja presente por aí.
O que reprovei nas reformas ortográficas foi justamente a queda dos acentos que davam precisão à pronúncia ou ao significado de algumas palavras no ato de lê-las soltas. Ficamos mais dependentes do contexto pra revelar sentidos. A última que nos foi imposta não me incomodou tanto por tirar os agudos de geleia, asteroide e feiura, mas chateação mesmo foi deixar a conjugação pára – “ele pára o carro junto à ponte” – com o penteado da preposição para. Aquele topete era melhor, e há frases que podem causar um equívoco rápido de compreensão quando um dos gêmeos de corpo, mas não de espírito, está a trabalho. Estorvo similar foi arrancar o chapéu do filamento pêlo, deixando-o igualado à contração pelo. É de erguer a bandeira contrarreformista Pelos Pêlos, com direito a hino e criação de um time de taco.
Aproveito o tricô pra apontar outra opção mais ou menos recente que os atentos podem já ter percebido: minha amizade com as contrações e reduções de alguns termos. Não escrevo mais “para”, a menos que esteja citando alguém – agora é tudo “pra”. Entendo quem desgoste, mas também faz tempo que muitos usos do “para” me soavam engessados, inaturais, cuja sonoridade sobra. Houve até casos bizarros de hipercorreção nisso – em 2017, numa entrevista com o jornalista Ruy Castro pra Folha, transcreveram a seguinte fala dele: “Dá para perceber ali que o entrevistador se preparou para burro”. Parece xingamento, mas foi erro de transcrição: o certo seria “pra burro”, ou seja, o entrevistador se preparou muito. Preparar-se para burro é outra coisa.
¿O que pensam os dicionários? “Pra” e “pro” são definidos como populares, informais, coloquiais, o que não necessariamente é um desabono – tanto que viraram minha preferência. Já o “prum”, que o Priberam, de Portugal, não diminui, acaba tratado como “contração popular e incorreta” pelo Aulete. O Michaelis não faz esse julgamento. A contração “nalgo” não aparece no Aulete, mas “nalgum” aparece. “Praquele” está no Aulete, mas não está nem no Michaelis, nem no Priberam. E estranhamente “praquilo”, que suponho seguir a fórmula de contração de “praquele”, não está nem no Aulete. No fim, o que interessa é consultar vários dicionários – os citados neste parágrafo são os que eu mais acesso – e tentar fazer sentido: portanto, usarei praquilo.
Por último nesse campo, o “não se começa frase com pronome oblíquo”. O tema ainda é cláusula pétrea pra fariseus da língua portuguesa que muitas vezes tentam esconder a falta de espontaneidade e autenticidade textuais dentro duma obsessão com a norma culta – até pra deixar um bilhete de compras, até pra escrever um tuíte. Na minha opinião, a justificativa da eufonia pra seguir essa regra é controversa. Começar uma sentença com o pronome pessoal “se” talvez ainda soe feio na escrita: “Se fez de bobo”. E há casos em que pode haver aquela confusão curta que leva o leitor a entender o “se” inicial como conjunção, equivalente ao if ou ao whether ingleses. Mas o pronome pessoal “me” iniciando frases escritas soa harmonioso e não causa dúvidas: “Me dá um cigarro”. Gosto dele, geralmente vou usá-lo.
Tudo isso, obviamente, são opções que fiz pros meus textos neste blog: barbaridades. Cada um que se vire escovando o seu estilo. E onde a norma culta é a mandante – é bom que ela padronize as coisas pra determinados ambientes –, usarei a norma culta.
¿Entenderam? ¡Espero que sim!
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É bonito o palco limpo deste WordPress, que eu pago pra ter recursos adicionais, mas os bastidores são difíceis. O sistema de edição por blocos e as ferramentas de configuração de página, não intuitivas, já me fizeram perder muito tempo ajustando elementos e postagens. O Blogger não era assim. Então foi somente depois de longo desbravamento que consegui criar aqui as tais categorias, que são diferentes das etiquetas (tags). A listagem delas aparece no lado direito da tela pra quem acessa no computador e na parte inferior pra quem está no celular. Tentei mudar a tipografia dessa lista, mas tal ferramenta, existente, não funciona. Às vezes me sinto relevante como cliente e penso em escrever uma Carta de Reclamações ao WordPress.
Essas categorias refletirão uma linha de abordagem dos próximos textos. Aquilo que não for contido por elas ficará na gaveta TUDO, onde estão todas as postagens.
As categorias:
ARQUIVOS DA HISTERIA – A vontade de delírio é uma marca do homem. Com a democratização das redes sociais, esse desejo que andava preso em caixas torácicas, casas e paróquias pôde aderir à globalização e permitir contatos imediatos entre delirantes diversos. Não há mais barreiras, e a alucinação tirada do isolamento adquire poderes. Os textos dessa seção tratarão disso.
CADERNO DE EXERCÍCIOS – Compilação de exercícios sobre temas variados. Exercícios podem ser críticas, poemas com ou sem verso, minicontos, catalogações. Muitos já fizeram dessas antes; apenas aglutinei gêneros textuais compatíveis com a modalidade – curta e intitulada – num rótulo abrangente: exercícios. Mais explicações podem ser lidas no campo NOTAS do Caderno de exercícios nº 1.
CONTOS – Nome autoexplicativo. Contos iniciados, por enquanto, são vários. Mas nenhum terminado. Aposto na longevidade – é um risco.
FILMES EM FOTOGRAMAS – Uma mulher horrorizou “a internet” ao revelar que em determinado ano tinha tomado somente 37 banhos. Sou ela com filmes novos – não vejo quase nada. Meu tempo de lazer se divide mais entre jornais, livros, música, Twitter, desenhos na TV, documentários, filmes que eu já vi. Mas filmes revistos porque de valer a pena merecem ser enquadrados em pormenores. Essa categoria é pra eles, que serão detalhados em texto e fotogramas (prints de cenas).
LIVROS: ORDEM, OLOR E FORMA – É muito bom falar do conteúdo dos livros, mas essa categoria é pra organizadores, fissurados e fetichistas: como ordenar livros, como fazer planilhas sobre eles, as capas, as diferenças físicas, etc. Tudo será analisado de forma particular e diletante. Se quer um profissional, procure um profissional.
MODERANDO A MÍDIA – Parece um título megalomaníaco que alguma corporação de jornalistas pode esnobar, mas sou consumidora de jornais e tenho o direito de falar sobre o que acho ruim no produto que eu consumo. Pra não ficar uma categoria ranzinza e pra não cair no gosto de rústicos que se pensam Os Observadores Temíveis porque fazem críticas estúpidas ou improcedentes à imprensa – algo que rende uma chuveirada de dopamina pela aprovação da plateia –, darei também exemplos de matérias elogiáveis.
PEPITAS EMBOLSADAS – Trechos de livros ou de artigos que brilharam no meio do grande processo de mineração que é a minha história como leitora.
RACIALISMO NEGRO – A antiga série “Radical do Movimento Negro” agora se chama “Racialismo Negro”. Um nome mais sintético e acurado. Até porque evento pra anotar no diário é quando alguém não radical participa do movimento negro contemporâneo.
RESENHAS – Nome autoexplicativo. Resenhas de livros que li.
SELEÇÃO E NOTAS – A diferença dessa categoria pra de “Resenhas” é que nela há mais interesse em trechos e na explicação dos seus contextos do que na análise e no entrelace de bibliografia. Quase um fichamento. Não entrarão aqui apenas livros, mas também reportagens escritas. Lembrete: você não “meio que leu” um livro porque se deteve numa resenha aprofundada dele, examinou uma longa triagem de excertos ou assistiu a um resumão de booktuber. Uma coisa é o leitor que, não podendo ler tudo que o atrai, às vezes se contenta com sínteses feitas em jornais, revistas, blogs. Outra coisa é o preguiçoso que só procura atalhos, sobrando tempo pra ele fazer o que realmente gosta: encenar uma intelectualidade que não tem, bater papo, ver séries, esbanjar a vida com bobajada de internet. Essas “pessoas cultas” que estão sempre on-line têm o mesmo dia de vinte e quatro horas que qualquer mortal. ¿Afetam ilustração? Ou se prendem apenas ao que leram no passado e labutam ao redor disso – uma variante intelectual do curling, esporte olímpico que consiste em varrer o entorno de pedras de granito pra que elas alcancem longas distâncias na pista –, ou estão reutilizando as lascas que raspam de artigos, podcasts, threads, gurus, leituras dinâmicas – fazendo qualquer naco render. Ou ambos. Tais condutas não surpreendem no auge do espetáculo e do “quero o mérito, mas sem o esforço”.
SELEÇÃO EM TRADUÇÃO LIVRE E NOTAS – É como a categoria “Seleção e notas”, mas em cima de livros e artigos estrangeiros. A tradução livre se deve à minha incompetência pra fazer traduções “de tradutor”. Como há textos que não chegaram ao português e como mesmo meu inglês ruim pode divulgar as ideias deles, acho que vale o empenho e a intenção. Quem puder ler o original, prefira sempre o original.
SOBRE O BLOG – Postagens com explicações e recados da síndica. Esta postagem que estou escrevendo agora, por exemplo, entra em “Sobre o blog”.
TEXTOS DOS OUTROS – Num blog antigo, hoje fechado, eu já tinha criado essa categoria, que era usada principalmente pra divulgar colunas da Folha pra quem não era assinante (pouca coisa; eu conhecia apenas alguns colunistas). Resolvi retomá-la depois de ler uma crônica da Rachel de Queiroz que não encontrei em lugar nenhum da internet. Sempre gostei de divulgar os bons textos dos outros e é triste quando o que é de qualidade se perde.
Espero conseguir preencher com bom conteúdo todos esses reservatórios.
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E agora o terceiro e último tema desta postagem: as delicadas revisões. Publicações num blog são acompanhadas por uma data exata que não se modifica à mão. Mas revisões posteriores não alteram a data, então é muito fácil adulterar textos antigos e fazer parecer que determinadas ideias cheias de frescor já vinham do antanho. É preciso que autores sejam transparentes sobre as demãos que aplicam no que escreveram no passado.
Modificações que faço vez ou outra preservando a data:
a) Leves alterações de estilo – Aos poucos quero atualizar todos os textos pras preferências estéticas de que tratei acima (o “pra”, a exclamação e a interrogação invertidas, etc.).
b) Reformulação de frases que não tocam no sentido do conteúdo – Se uma frase pode ficar mais elaborada e se não estou fraudando o que falei, não há problema em reformular o texto mantendo a data antiga.
No caso de exclusão e inserção de parágrafos ou modificação substancial de ideias, informarei no rodapé, como é corrente: “texto atualizado em”. Deve-se considerar que o texto todo foi chancelado naquela data de alteração.
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Quanto à verificação antes de publicar, o de sempre: a maníaca revisão que só é parada pela lembrança da mortalidade (ao som de Crossing the triangle of flames do Darkthrone). Mas é sofrer agora pra se alegrar mais tarde – muito mais tarde já não garanto, pois um texto só se revela de fato prum autor, pelo menos prum autor não deslumbrado consigo mesmo, depois que ele se torna quase alheio pelo distanciamento. Tem defeito que a gente só vê nos outros – os estranhos. Se eu me sentar pra escrever um ensaio de uma vez só, ou mesmo dentro de uma semana ou duas, o resultado pode sair como: a) escada em espiral; b) dinossauro urrando entre prédios japoneses; c) Mar Morto; d) falar em línguas sem o dom; e) atravessar a cidade com papel higiênico na sola do calçado; f) “o redondo redundante roda rude e errado”; g) experiência do saquinho dadaísta, mas com frases; h) quebradeira e baixaria em boteco barato às duas da madrugada; i) caixote de ecos; j) palestra e burocracia pra tomar um mero sorvete; k) padre viciado no que ele pensa ser o sangue de Jesus; l) o diabo se esgoelando nos detalhes; m) ir à padaria da esquina de táxi e vestido de gala; n) afrontas ao Código Penal; o) Pirotecnia & Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, um manifesto; p) trânsito às 5 da tarde em Nápoles; q) um cego e um surdo presos no elevador; r) é hoje: o número pi completo; s) “batatinha quando nasce”; t) “escrevo pra continuar a guerra por outros meios”; u) urticária; v) luz que acaba durante o banho; w) Socorram-me, subi no ônibus em Marrocos; x) feijão gelado; y) “a poesia de Ndee Naldinho”; z) o restaurante é macrobiótico e uma lei proibiu saleiros na mesa.
As pessoas são diferentes e tem quem consiga materializar ótimos estilo e raciocínio em textos baixados numa sentada. Não é o meu caso. No reformatório da escrita onde cumpro pena, o professor mais rigoroso é o tempo, e a afobação é um mau comportamento castigado logo adiante, sem escapatória. Mas a fábula já mostrou que a tartaruga, mesmo sem os dotes natos, pode vencer o presunçoso coelho. Escovar o estilo também é isso: talvez você demore mais pra se pentear.
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NOTAS
1. Algumas das músicas que embalaram esta postagem:
Kante Pinrélico – Caza de brujas/ Frank Zappa – Tuna fish promenade/ Lou Reed – Sick of you / Ennio Morricone – La gabbia dei matti/ Morbidi i Mnoći – Put
2. ¡Até a próxima!

Tirinha com o personagem Síndico, da Laerte