Ele quase não caiu

Uma forma de generosidade: relevar analistas políticos e esportivos que praticam vidência de boa-fé – e erram. São profissionais que lidam com ramos maleáveis, candidatos à reviravolta e dependentes de movimentações imprevistas. Um fator muito simples, como uma facada ou a força de um slogan sobre um tópico supérfluo – “Acelera, São Paulo” –, pode perturbar um plano de análise bem desenhado.

A solução pra zerar falhas obrigaria o analista a ficar cheio de dedos ao apanhar o problema – truncando o texto, desfiando possibilidades remotas pra evitar a concretização de um cenário que nunca fora aventado, vivendo a tensão de apresentar inferências sobre a conjuntura diante do General Franco enquanto vê, pela janela, o exército fazendo treinamentos com armas. Obsessão com todas as hipóteses, pavor de cravar uma opinião, humildade socrática, descrição dos personagens envolvidos tentando não deixar escapar nenhum julgamento de valor: posturas de jaleco que, somadas, afastariam mesmo a audiência mais exigente. Há instantes pra descrever, há instantes pra analisar. Análises políticas e esportivas dependem de fatos, mas não são ciência, e alguma idiossincrasia ainda faz o charme.

Tudo isso pra dizer que aqueles que previram que a derrota de Bolsonaro seria de lavada estavam errados. Também erraram aqueles que disseram “está na cara que a Copa é nossa”. O final do ano de 2022 foi frustrante pra opinadores que confundem o que as coisas são com o que eles queriam que elas fossem, mas os sensatos seguirão a rota de olho no rastro denunciado no espelho retrovisor.

E, se ainda opinando às vezes febrentos pela emoção, que apresentem o cenário mais provável acompanhado por alguma reserva do tipo “mas nunca se sabe, tudo pode acontecer”. Não faz mal um pouco de cautela quando se está lidando com assuntos incertos. ¿A audiência vai reclamar “mas assim também eu” porque espera que seus analistas tenham a confiança de ciganos que leem mãos? A audiência é parva. O cigano que erra o futuro logo está montando barraca em outra cidade, já o analista permanece pra sofrer as consequências da sua afobação.

A despeito disso, espantar-se com o resultado das eleições não deixa de ser justificável: ¿como é que alguém como Bolsonaro conseguiu esbarrar na vitória depois de quatro anos de miséria moral, gandaia e darwinismo imunológico? ¿Como ele esteve tão perto de se reeleger depois de quatro anos em que os pontuais acertos do governo aconteceram apesar dele?

A resposta não é uma só porque seus eleitores não são uma multidão uniforme desfiando jograis. Por mais que os opositores às vezes queiramos simplificar esses milhões de cidadãos pra melhor rechaçá-los com um defenestrante “é tudo fascista”, o fato pra quem observa as coisas e conversa com discordantes políticos sem ficar a todo momento revirando os olhos e grunhindo “ugh” é que a alta popularidade de Bolsonaro nas eleições de 2022 poderia ter sido evitada, pois muitas pessoas decentes também votaram nele. Houve quem o apoiasse a contragosto, houve quem acreditasse, com ingenuidade, que ele encampava “importantes pautas conservadoras”. Discípulos apaixonados desse movimento que cresceu nas saliências de um líder molenga e medroso não seriam tão atingidos por uma mudança de abordagem que os despertasse: dentro das seitas há uma massa de apoiadores duros dispostos a se contradizer e a defender qualquer regimento em nome da crença que os une e diferencia. Mas a abordagem que faltou do jornalismo político em relação a Bolsonaro poderia sintonizar uma parcela de alienados não fanáticos. E aí muitos de nós não teríamos ficado com certas partes do corpo na mão ao acompanhar a apuração das urnas no segundo turno.

*

Ao interpelar um candidato à presidência é fundamental fazer perguntas protocolares, pois aquele que disputa o maior cargo do Executivo liderará um país movido a economia, segurança, saúde e educação, mas também é importante – principalmente em se tratando do inédito bestial eleito em 2018 – ferir o candidato no que ele tem de suscetível com a própria torcida. Nisso, que bom, a política é diferente do futebol: ainda é possível alguém mudar de time ao perceber que o clube o faz de palhaço e não honra a camisa. Faltou um bocado dessa jogada jornalística com Bolsonaro visando atingir a plateia dele: diminuir o volume do que era protocolo e bom senso – desmatamento, garimpo ilegal, vacinas – pra dilatar o balão de perguntas sobre traições contratuais. Se seu potencial eleitor quase não mexia o rosto pra expressar desconforto ou espanto diante das abominações que ele fez e disse, era hora de estudar o que ambos tinham acordado – valores, projetos – e avaliar se houve, da parte do contratado, vontade de honrar o que foi estabelecido.

Pra começo de conversa, trabalhar era algo que não apetecia ao presidente. Empresários, força produtiva da agropecuária, paulistas que se nomeiam “a locomotiva do país”, sulistas de ascendência germânica que se vangloriam do valor do trabalho – quem compunha essas categorias e apoiou Bolsonaro com bandeira & boné até 2022 estava apoiando o presidente mais vagabundo da história do Brasil. Sua exígua agenda de compromissos que às vezes começava depois do almoço e encerrava as atividades antes do café da tarde poderia ser alcunhada como Ócios do Ofício. Em alguns dias não havia “nada oficial” pra fazer, restando tempo pra se coçar com o cartão corporativo – o que não saiu barato. Fruindo as férias que lhe eram asseguradas e aproveitando alguns finais de semana pra ir à praia – se Brasília tivesse mar… –, o Passeante da República ainda burlava dias úteis pra fazer coisas inúteis como acenar pra caminhoneiros na estrada e liderar “motociatas” de valor aparentemente intrínseco: andar de moto em grupo tendo como meta andar de moto em grupo – um ritual pra reforçar a coesão dos membros do delírio.

Cínicos à Partido Novo, uma nova forma de auxiliar o bolsonarismo podem dizer – e disseram – que “é positivo que o presidente não trabalhe, pois o Estado deve interferir o mínimo possível na vida das pessoas”. A fala é fruto do desespero em vencer discussões usando argumentos ruins pra não voltar atrás numa ideia assumida porque sim, pois Bolsonaro não planejou viver na flauta pra reverenciar o liberalismo à brasileira, mas pra dar continuidade ao seu projeto só-dou-folga-à-preguiça-se-for-pra-dizer-uma-baixaria que começou há cerca de trinta anos na carreira política. Um estadista preocupado com o peso do Estado sobre a vida das pessoas usaria sua função pra diminuir esse peso em vez participar dele como um corpo desmaiado. Margaret Thatcher, liberalizante e ativa, tomaria Bolsonaro por parasita numa lançada de olhos quando o flagrasse, de roupão e chinelos, à procura de catupiry na geladeira às 10 da manhã. Ela ficaria ali boquiaberta e com a mão direita no peito; ele logo deixaria a cozinha pra ver TV, mas não sem antes fazer uma frouxa continência.

Lula, que sabe ler e não tem registro caindo de bêbado em horário de serviço, é até hoje chamado de “analfabeto e cachaceiro” por opositores que obtêm sucesso ao mediocrizar o debate apelando a bordões abobalhados que alcançam mesmo os quocientes de inteligência mais baixos e podem ser reproduzidos sem estressar nenhum neurônio. Mas não haveria problema em propagar bordões honestos sobre políticos que foram eleitos pra servir e receber cobranças, então muito lamento que folgado e mamateiro não tenham sido mais reforçados sobre a reputação de Bolsonaro. O termo ladrão pegou num Lula joão-sem-braço que alegou não saber do que se tratava o chamado Mensalão, e tudo que ele fez de ilícito desde então só serviu pra estofar a pecha.

Uma notícia na Folha dizia que Bolsonaro não estava fazendo “quase nada” semanas depois de ter perdido as eleições em 2022, mas a verdade é que essa era a rotina dele desde que foi eleito em 2018. Facilitar o armamento da população, privatizar uma empresa estatal depois de tanta bazófia do ministro Paulo Guedes e diminuir o imposto de produtos consumidos por marombeiros – são essas medidas inessenciais que põem o termo QUASE antes do termo NADA. É o sujeito que já acorda cansado, e não por anemia.

Ele poderia apelar à esquiva que seus cativos arranjaram pra impedir quaisquer tentativas de estrangulamento: que não o deixaram trabalhar. Mas quem se prepara pra atacar um alvo conhecido com histórico diário na mídia tem todos os recursos pra antecipar evasivas: se ele disser X, isso; se ele disser Y, assado. Havia muito espaço pra manobrar. E o argumento “não deixam o homem trabalhar” é fraco quando se percebe que ele nem tentou trabalhar.

E quase nem tentou trabalhar pelas ditas pautas conservadoras. Pouco importa se jornalistas de política consideravam ridículas as ideias de minar Paulo Freire ou enfrentar o identitarismo. O que importa é que um presidente passou quatro anos sendo louvado e contemporizado por encarnar valores pelos quais ele não se moveu. É fácil ser contra a liberação do aborto quando a prática já é proibida na maioria dos casos e nunca correu risco de deixar de ser assim sob uma extensa bancada evangélica. É fácil levar crédito pela Reforma da Previdência por ela ter ocorrido no seu governo – quando quem suou pra aprová-la foi o Congresso e, especialmente, Rodrigo Maia, então presidente da Câmara dos Deputados. É fácil parecer ser “contra os identitários” apenas por dar declarações grosseiras contra quilombolas, homossexuais e mulheres, como se esses arrotos não fossem ajudar a seita da Diversidade a Qualquer Custo a arregimentar mais. O identitarismo só cresceu sob um Bolsonaro desinteressante e desinteressado: na forma de leis às quais a bancada dele pouco se opôs, nas interpretações criativas de um Judiciário cada vez mais ativista, na imprensa – não duvido que muitos jornalistas, como tantos intelectuais, usaram a lógica australopiteca “se os dele são contra, há de ser uma doutrina boa” –, no espírito social. Foi o inimigo dos sonhos.

¿E, afinal, o que havia de genuinamente conservador em Bolsonaro? ¿Uma frase-emblema sobre Deus, pátria e família? O povo mais numeroso quer saber de comida e emprego, mas vale a pena discutir ideologias, personagens históricos e as execuções de Stálin visando atingir candidatos que se popularizam com discursos que tocam nesses assuntos. O conservadorismo real é uma disposição que por pontual necessidade reativa pode se transformar em movimento – como escreveu o cientista político João Pereira Coutinho no livro As ideias conservadoras explicadas a revolucionários e reacionários. Em nenhuma dessas facetas – disposição, organização ideológica – cabe a baixaria de um estadista, a exaltação de um passado glorioso, a convulsão social.

O mesmo Coutinho que no próprio livro situou o reacionarismo fora do conservadorismo de repente tratou reacionários como elementos incômodos dentro do bloco conservador quando foi entrevistado no programa Roda Viva. Não sei o que provocou essa mudança de entendimento, mas suspeito que seja o catálogo promíscuo da realidade espetacular: os termos têm seus significados corrompidos por grupos políticos que fazem o que quiserem deles. ¿Como poderia o reacionário, um cunhado vigarista e baderneiro, pertencer à família conservadora se suas convicções de sangue não são as mesmas dessa família? Nada disso: revolucionários de direita não promovem os valores que o conservadorismo recebeu na sua pia batismal, e são organismos estranhos à política da prudência. Dentro da ordem não está a desordem, o grito não é um elemento incômodo que mora no silêncio, a prudência não está continuamente grávida de rupturas. Talvez essas imagens fiquem bonitas na poesia, mas a realidade pede que sejamos mais sólidos e menos frescos.

Enfim, a armadilha pra Bolsonaro poderia ter se desenrolado nalgo como a seguinte conversa-modelo, que funcionaria em outras versões:

– O senhor critica a educação influenciada pela pedagogia politizada do educador Paulo Freire.

– Critico.

– ¿Que medidas o senhor tomou em quatro anos contra ela? Não encontramos nenhum projeto de porte pra mudar o modelo educacional brasileiro.

– Não encontraram porque os outros aí não me deixaram fazer.

– Mas também não encontramos nenhum registro de estudo ou conversa do senhor pra mudar alguma coisa nesse sentido. O senhor não trabalhou por essa pauta, que é forte no seu eleitorado, em nenhum momento. Só fez discursos.

– Porque me boicotaram, o presidente não governa na canetada.

– ¿Quando o senhor tentou tratar desse assunto com a base e com seus aliados pra motivar uma mudança, ainda que pequena? ¿E onde está o plano de reforma?

[começa a xingar o jornalista]

O reino não desmoronaria. Mas os desligados poderiam reativar suas antenas, e muitos soldados voluntários dessa campanha de incivilidade & morte começariam a mascar os próprios beiços. Porque é isso que deve ser feito com devoto de político, especialmente de político brasileiro: mostrar o quanto ele é trouxa. E que não tem tirada cínica, meme e “briefing daqueles que estão do nosso lado e têm diplomas e leem muitos livros” que transforme em boina elegante um simples e roto chapéu de otário.

***

NOTAS

1. No primeiro turno de 2022 apoiei Ciro Gomes. No segundo, Lula. Por enquanto não me arrependo do apoio, porque a régua desceu demais de 2019 a 2022. Bolsonaro mudou, de maneira radical, o parâmetro do que é aceitável na presidência. Contra ele, quase qualquer coisa vale.

1.1. Digo apoiei e não votei porque nos dois turnos eu estava fora da minha zona eleitoral e não pude votar. Mas meses antes das eleições eu já tinha tratado publicamente das minhas preferências: no primeiro turno, Ciro Gomes – mesmo com a megalomania, as mentiras, o destempero –, no segundo turno, qualquer um contra Bolsonaro.

1.2. Ciro Gomes tinha um projeto muito mais à esquerda que Lula. Mas já no primeiro turno comunistas – os velhos, os teens – cravaram apoio ao petista, e faziam um rodopio danado pra criticar Ciro Gomes. É forte o culto à personalidade no Brasil. Se daqui a cem anos o PT ainda estiver vivo, o candidato que o partido lançará à presidência certamente dependerá desta: “se Lula estivesse entre nós, ele apoiaria [insira o nome do candidato do partido daqui a cem anos]”.

1.3. O fugitivo que deixou muitos dos seus delirantes apoiadores tomando chuva e gargalhadas ao redor dos quartéis está de volta. Tendo perdido a última eleição por míseros dois milhões de votos, ele seria capaz de fazer estrago nas guerras culturais e políticas, mas vamos torcer pra que dois dos seus mais destacados atributos – a preguiça e o medo de ser preso – o impeçam de liderar o que ele sempre mal liderou. O bolsonarismo se desenvolveu tanto sem o trabalho direto de Bolsonaro que às vezes parece que ele é mais um pretexto que uma inspiração. Mas se o pretexto ficar inspirado é possível que mova mais paixões destruidoras irreparáveis.

2. Lula não é identitário. Uma parte barulhenta da sua base é que é. Em 2022 Lula chegou a dizer pra uma mulher trans que ela “não deveria ter preconceito contra o Pastor Isidório”, o mais famoso promotor da “cura gay”. É o Lula que faz piada com homossexualidade, que achou absurdo ter que apresentar paridade de gênero na marra nos ministérios, que estranha a crítica à obesidade ter se tornado assunto delicado. Se ele adere a pautas identitárias é por pressão dos apoiadores. E da esposa.

Bolsonaro não é anti-identitário. Não porque ele seja, no fundo, um entusiasta da ascensão das minorias, mas porque ele não se importa com essa bandeira. Ele quer tirar sarro de identidades minoritárias pelo que lhes é particular, mas não tem interesse em barrar a doutrina identitária na sua gordura esparramada pra todos os cômodos, a menos que ela conflite com pautas intocáveis do dito conservadorismo, como o aborto. Hoje ele é antiaborto não por uma teorização antifeminista, mas porque o aborto é um tema sagrado da ala evangélica, que tanto o sustenta.

A diferença entre o Lula não identitário e o Bolsonaro não anti-identitário é que Lula chegou ao poder e já tentou atender aos apelos da sua base identitária. Bolsonaro não fez isso com a sua base anti-identitária: ele não está nem aí pra ela, e esse movimento cresceu sob as suas pestanas e também graças à sua inação. Mesmo assim há gente instruída que pensa que ele é um bom político “porque não é identitário”. Depois de cientistas divulgarem pro público leigo que o intestino tem muitos neurônios passamos a entender que órgão algumas pessoas têm usado pra raciocinar.

3. Pra quem gosta de Augusto dos Anjos, a edição que recomendo adquirir é Toda poesia de Augusto dos Anjos, da editora José Olympio, com estudo crítico de Ferreira Gullar. O texto de Gullar tem altos e baixos, mas um dos picos está no parágrafo inicial:

“No Engenho do Pau d’Arco, na Paraíba, nas ruas do Recife e João Pessoa, nos primeiros anos deste século, cismava, sofria, escrevia poemas, um homem jovem, magro e taciturno, que se tornaria conhecido na história da literatura brasileira pelo nome de Augusto dos Anjos.”

(Mudaria algumas vírgulas aí, mas o começo retocável não perde valor por isso.)

Às vezes acho um pouco dolorido ler Augusto dos Anjos cismando, sofrendo e escrevendo poemas. Não sei se estava à vontade com a solidão; era uma espécie de Baudelaire brasileiro, diferente e visceral; no início do século 20, fora dos grandes centros, ele se perturbava. Pra nós era bom que sofresse, mas é impossível lê-lo sem especular as condições mentais e materiais nas quais lavorava em tanto ranger e pontos de exclamação. ¿E será que sabia que seria eterno?

Ciente da evolução das espécies:

“E o animal inferior que urra nos bosques
É com certeza meu irmão mais velho!”

Leitor de Schopenhauer:

“Ah! Dentro de toda alma existe a prova
De que a dor como um dartro se renova,
Quando o prazer barbaramente a ataca…”

Em conflito, aqui e ali, ao comer animais. No poema À mesa:

“Cedo à sofreguidão do estômago. É a hora
De comer. Coisa hedionda! Corro. E agora,
Antegozando a ensanguentada presa,
Rodeado pelas moscas repugnantes,
Para comer meus próprios semelhantes
Eis-me sentado à mesa!
Como porções de carne morta… Ai! Como
Os que, como eu, têm carne, com este assomo
Que a espécie humana em comer carne tem!…
Como! E pois que a Razão me não reprime,
Possa a terra vingar-se do meu crime
Comendo-me também.”

Depois pretendo escrever uma resenha, no Goodreads, com mais trechos selecionados.

4. A Amazon me “cancelou”. Apagou minhas 390 resenhas deixadas na página, a maioria resenhas de livros. Já tinha percebido que estavam me boicotando – negaram até a publicação de uma avaliação tranquila ao livro Factfulness –, mas não imaginava que tomariam a drástica decisão de me varrer do histórico deles. Uma vez apagaram minha resenha de Racismo estrutural, do Silvio Almeida, após uma denúncia. Recorri, reavaliaram o caso e me pediram desculpas porque na resenha eu de fato não tinha violado nenhuma das regras da comunidade. Agora apagaram meu histórico e me mandaram um e-mail mal escrito e seco que pode ser resumido assim: “apagamos toda a sua atividade, você vinha violando nossas regras e já tinha sido avisada; e nem adianta recorrer porque essa decisão é definitiva, conforme-se”. A coincidência foi que fizeram isso no dia do meu aniversário e logo depois de eu receber um daqueles e-mails automáticos “veja como suas avaliações são úteis para outros clientes”.

Então aos poucos estou passando pro Goodreads as resenhas que tenho salvas. Lá não existe moderação prévia e a comunidade é mais livre. Não significa que eu não possa ser boicotada no futuro outra vez, até porque a Amazon comprou o Goodreads e não duvido que essas políticas censórias se espalhem. A empresa que veicula a informação falsa de que “criado-mudo é uma expressão de origem racista” é a mesma que permite que uma equipe de moderadores justiceiros decidam quais avaliações criticando sua religião ideológica não terão espaço na loja.

5. Algumas das músicas que embalaram esta postagem:

Jimi Hendrix – Woodstock improvisation

Opera Multi Steel – Jardin botanique

The Vibrators – Fighter pilot

KAYTRANADA, AlunaGeorge, GoldLink – Together

Hyboid – Rubber cell disco

5.1. É muito difícil escolher A Melhor música do Jimi Hendrix, mas, se me obrigassem, eu iria de Woodstock improvisation (que no YouTube e no Spotify está grafado como “inprovisation”). Essa improvisação sempre me arrepiou, e em pouquinhos minutos ela consegue me deixar muito triste e muito alegre. Dentro da arte é bom padecer dessa montanha-russa de sentimentos.

5.2. Vi recentemente um show do Opera Multi Steel no Madame Satã, em São Paulo. Foi lindo, viajei o show todo. No mesmo dia tocou Pink Turns Blue. Off-topic, pero no mucho: São Paulo é a capital cultural do Brasil. O que tem de atração cultural aqui – e o que tem de grupos musicais dos mais variados gêneros que vêm pro Brasil pra fazer show apenas em São Paulo – é um negócio incrível.

5.3. The Vibrators é uma banda punk inglesa que conheci em 2006-2007, só não lembro se pela Rádio UOL ou se explorando blogs de música que punham vários álbuns disponíveis pra download. Foi no final de 2006 que ganhei meu primeiro computador – um Positivo com sistema Windows XP Starter – porque no ano seguinte eu entraria na faculdade. Ter internet em casa, ainda que discada, alargou muito meu conhecimento musical que se limitava a programas de rádio, revistas velhas (lia sobre bandas que eu quase não tinha como ouvir), poucos acessos à MTV e tiros no escuro ao visitar o camelô de Blumenau, onde eu comprava CDs piratas.

5.4. Conheci KAYTRANADA de um jeito inusitado. Anos atrás eu estava em Berlim com o André e fomos a uma dessas grandes lojas de departamentos pra comprar uma caixa de som JBL (naquela época saía bem mais barato comprar na Europa do que no Brasil; hoje a diferença é pouca). Estava olhando as caixas e de repente começou a tocar uma música muito boa em uma. Pedi pro André ligar o Shazam pra ver o que era, e apareceu Vivid dreams, do KAYTRANADA com o River Tiber. Depois é que percebi que um cara que estava ao nosso lado é que tinha colocado a música pra tocar, via bluetooth, pra testar uma caixa de som. No lugar dele eu teria ficado feliz de saber que apresentei, sem querer, uma boa música a uma estranha.

5.5. A única música que eu conheço do Hyboid, grupo eletrônico de Berlim, é a joia viajante, noturna e alcoolizada Rubber cell disco, mas já estou salvando os álbuns no Spotify pra ouvir mais.

6. Obrigada pela leitura e até a próxima!

Meu desenho favorito no momento: Apenas um show (Regular Show, 2010-2017)