Em julho de 2020, Anthony Tommasini, principal crítico de música clássica do The New York Times, escreveu um artigo chamado Fim dos testes cegos é solução para levar diversidade a orquestras, traduzido no mês seguinte pela Folha de S.Paulo. Quando li o título, pensei que fosse ironia. Enquanto lia o artigo, ainda achava que o autor estivesse desenvolvendo uma ideia com a qual não concordava, fazendo uma espécie de argumentação-embuste para testar a aceitação do público sobre um despropósito, com intenção de, mais tarde, revelar a estratégia. Não era ironia nem embuste. Tommasini acha mesmo que testes cegos devem acabar na contratação de integrantes das orquestras com a finalidade de torná-las mais diversas racialmente.
Testes cegos são adotados por muitas orquestras – e por outros ramos do mundo da música, como a primeira seleção do programa The Voice – para que o perfil do candidato não sugestione a escolha do contratador, que deveria se pautar pela qualidade. Sem eles, um avaliador pontual que não percebe seu sutil racismo ou sexismo pode deixar de contratar uma pessoa competente em prol de outro candidato menor porque foi influenciado pela aparência. Portanto, testes cegos surgiram para fazer justiça ao mérito. Se meu avaliador não vê minha cor, meu gênero, minha beleza/feiura, minha indumentária ou se estou em cadeira de rodas, ele será obrigado a me julgar apenas pela minha habilidade e capacitação.
Seria benéfico se em outras áreas da vida profissional e estudantil fosse possível aplicar esses testes que primam pela qualidade e desencorajam que características geralmente irrelevantes para os fins da contratação tenham peso. A maioria dos concursos públicos, de certa forma, funciona como teste cego, assim como os vestibulares no Brasil: a seleção é feita puramente pelo domínio de conhecimentos dos assuntos da prova. (Em outro momento voltarei a esse tema, que tem nuances: teste cego não é panaceia.)
Estudos de psicologia social mostram que certas características estéticas podem dar vantagem na seleção de emprego, como é o caso do favorecimento das pessoas bonitas (lookism). Isso não acontece de maneira descomunal – é algo que se percebe mais quando se avaliam estatísticas de contratação –, então o fenômeno não é gritante. Para minar o pouco dele que ocorre, defende-se a adoção de testes cegos.
Mas Tommasini constata que tais testes não conseguem tornar orquestras estadunidenses diversas do ponto de vista racial. Então, em vez de propor que existam políticas públicas para melhorar o nível educacional das comunidades onde muitas pessoas negras estão – comunidades onde o tipo de música que se toca em orquestras é ainda mais raro de ser apreciado do que no restante da sociedade –, o crítico do NYT propõe a abolição dos testes cegos. Ele diz:
“[…] a transformação não foi suficiente. As orquestras americanas ainda figuram entre as instituições com menos diversidade racial do país, sobretudo [considerando] músicos negros e latinos. Um estudo de 2014 revelou que apenas 1,8% dos músicos das maiores orquestras eram negros e apenas 2,5%, latinos.”
E depois:
“O status quo não está funcionando. Para que a situação mude, as orquestras precisam poder adotar medidas proativas para combater o desequilíbrio racial enorme ainda existente em suas fileiras. Os testes cegos não podem continuar.”
Tommasini alega que a prática pode ser bem-intencionada, mas é restritiva, e que os sindicatos que a defendem não percebem o quanto ela faz mal para os próprios sindicatos, para as orquestras e para a música. O que importa agora é que as orquestras sejam “relevantes para suas comunidades”, palavras dele, e reparem desigualdades sociais.
Compreendo perfeitamente a reivindicação de representatividade em propagandas governamentais. Parece escárnio que o atual governo brasileiro tenha usado crianças de feições nórdicas para compor a marca “Pátria amada, Brasil” num país de maioria autodeclarada parda. Também apoio representatividade em propagandas comerciais, mostrando famílias negras acessando aplicativos de banco pelo celular e mulheres negras passando maquiagem, bem como apoio que o mercado de brinquedos faça mais personagens negros e menos bonecas que reflitam a estereotipada dona de casa jovial dos anos 50.
Mas orquestras não são apenas rostos e sua finalidade não é a representatividade estética da população. Orquestra é música. Seu propósito primordial é tocar música. Se testes cegos não dão conta de fazer com que elas sejam mais diversas, o problema não está neles, mas, em tese, na sociedade – assim deveriam pensar aqueles que acham que tudo de “altivo” deve refletir proporções demográficas. Testes cegos são a solução para que as contratações nas orquestras sejam justas, e não um empecilho.
O que Tommasini pede é que as contratações voltem a ser um pouco injustas como possivelmente já foram, mas desta vez em prol da diversidade? Mais ou menos. Em seu artigo, ele defende que uma vez que um músico alcançou a excelência, é muito difícil diferenciá-lo em qualidade de outro músico de excelência: por isso, entre um grupo de músicos excelentes valeria a pena priorizar a contratação daqueles que pertencem a minorias raciais e de gênero, até porque eles podem apresentar outras qualificações que vão além da “pura habilidade musical”. Nem todo especialista em música clássica concorda com isso, como você pode ler nesta breve réplica de Max Raimi, violista da Sinfonia de Chicago, ao artigo do NYT.
Não tenho muito o que acrescentar aqui porque não entendo do assunto, mas suspeito que Tommasini se esforça, de boa-fé, para aninhar um erro. Para melhor nos empurrar a ideia de que testes cegos devem ser abolidos a fim de que orquestras sejam mais diversas, e sem parecer com isso que defende a queda de qualidade delas – como se poder tocar entre os melhores sem ser um dos melhores fosse parte dos direitos humanos –, o crítico cria uma justificativa que soa mirabolante: os excelentes já são praticamente iguais, então é benéfico que o critério de desempate entre eles seja o fenótipo.
Mesmo que seu argumento fosse verdadeiro – outros do ramo dizem que não é –, discordo do seu critério de escolha que estimula diferenciação entre pessoas com base em loteria genética. Os Estados Unidos têm uma classe média negra bem estabelecida que pode, se quiser, financiar bons cursos de instrumentos para as crianças que nascem dentro dela. Não há nenhum impedimento objetivo para que mulheres de famílias com dinheiro sigam a carreira que quiserem naquele país. Não vejo por que alguém que cresceu dentro de um ambiente cultural e economicamente favorável deveria levar vantagem por causa das dificuldades que sua cor ou seu gênero sofreram no decorrer dos séculos passados.
Essa abordagem, na verdade, fomenta alguns oportunistas da reparação histórica: pessoas que tiveram oportunidades na vida, mas querem se aproveitar dos sofrimentos dos seus ancestrais para angariar privilégios no presente. Se isso fizesse algum sentido, também eu poderia reivindicar minha carteirinha de sofrimento ancestral: sou branca e loira porque na loteria genética herdei a cor do meu pai, mas minha mãe é mulata e tenho, pelo seu lado, ancestrais que foram escravos no Brasil. Se importa mais a história dos meus ancestrais do que as dificuldades que individual e objetivamente vivi – e que aí poderiam ser um critério de desempate na remota hipótese de uma disputa entre candidatos igualmente qualificados –, então eu e muitos outros brancos brasileiros com ancestrais negros podemos nos beneficiar desse fator pregresso. (Tratarei melhor desse emaranhado num texto sobre cotas raciais.)
Pensando no público que aprecia orquestras, há alguns cenários possíveis caso o pedido de Tommasini seja atendido:
1. O público continuará o mesmo.
Esse cenário não é impossível, mas acredito improvável, especialmente se o novo modelo de admissão for publicizado.
2. Mais gente passará a apreciar orquestras para apoiar a recente diversidade delas e mostrar que a comunidade gosta de atrações que estejam alinhadas com sua formação demográfica.
Aqui cabe perguntar por quanto tempo essa empolgação vai durar, já que é difícil criar um hábito à força. Nos primeiros meses de “orquestra diversa” os teatros poderão estar sempre cheios, mas isso vai durar até quando? Manter o gosto pela música clássica adquirido tardiamente me parece tão difícil quanto manter a prática de exercícios físicos iniciada no último mês e o estudo autodidático de idiomas adotado depois de ver uma palestra sobre aprendizado solitário no YouTube.
3. Menos gente passará a apreciar orquestras.
Quem nunca gostou desse tipo de música ou não quer gastar dinheiro com a novidade da “orquestra diversa” não passará a frequentar os teatros. Jovens negros que só saem de casa para ver shows de hip-hop continuarão só indo a shows de hip-hop. Já alguns daqueles que sempre gostaram desse tipo de música e tinham o hábito de ver os espetáculos podem sentir que a qualidade diminuiu. Provavelmente é um efeito nocebo: pessoas que sempre gostaram de orquestras mas não tinham ouvido apurado para diferenciar detalhes na música podem passar a achar que conseguem notar a queda de qualidade após a adoção da “orquestra diversa”. Não conseguem. Mas o efeito psicológico de saber que orquestras não estão mais primando pela estrita qualidade pode fazer com que essa parte do público deixe de frequentá-las achando que percebe a diferença.
Confirmando-se o terceiro cenário, a queda de público será atribuída, por alguns, ao racismo. Quando alguém questionar “e por que, então, o público negro não passou a vir aos espetáculos se agora há mais negros no palco?”, será dito que o público negro não vai porque não tem dinheiro para pagar as entradas. Pedirão que baixem o valor das entradas. Os administradores das orquestras dirão “mas já estamos em crise, se baixarmos o valor das entradas não vamos conseguir nos manter”. Baixam o valor das entradas por imposição de quem não entende como o mercado funciona. O público negro ainda assim não se anima a ir aos espetáculos. Pode ser o fim das orquestras que não conseguem se manter apenas com doações e recursos públicos – ou seja, daquelas que precisam do valor das entradas –, tornadas espetáculos do passado, lembradas em museus.
Se testes cegos não conseguem corrigir a falta de diversidade de orquestras e empresas, esse pode ser um grande sinal de que o problema da padronização racial nesses lugares não se deve ao “racismo estrutural e contemporâneo”, como radicais do movimento negro alegam (muitos certamente com impostura, pois sabem que seu raciocínio é equivocado). Provavelmente a maior causa (embora não a única) da elevada disparidade racial em empresas e orquestras advém de racismo praticado em outras épocas que ainda se reflete em condições socioeconômicas desfavoráveis no presente. Essa conjuntura prejudica o desenvolvimento de pessoas negras na educação e, por corolário, na carreira. O lógico seria, portanto, corrigir o presente. Mas militantes negros já plantaram casa, escritório e jardim no passado, e querem que todos acreditemos que é tratando obsessivamente de racismo – e não de pobreza – que se vai ajustar o mundo.
Pobres continuarão pobres. Muitos negros continuarão com dificuldade de competir por posições e cargos em condição de igualdade com brancos. Cotas serão necessárias para sempre. Teóricos do racismo estrutural, que bem analisado é evidente teoria da conspiração, não desejam alterar as estruturas da pobreza que hoje impedem a ascensão de tantos negros na sociedade. Eles sabem que sua relevância depende da permanência na superfície, tratando de uma guerra racial que alegam ser diária e insistente. Criam tempestades para poder nos vender guarda-chuvas. Tommasini talvez tenha sido convencido a comprar o seu. E agora também quer nos convencer de que está chovendo.
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Durante os mais agitados protestos do Black Lives Matter em 2020, o roteirista de 12 anos de escravidão (12 years a slave, 2013), John Ridley, aproveitou para escrever um artigo no Los Angeles Times pedindo que a HBO retirasse o filme …E o vento levou (Gone with the wind, 1939) de seu catálogo porque a trama perpetuava estereótipos ruins sobre pessoas negras e romantizava a Guerra da Secessão. Em seu artigo, Ridley se queixava da falta de alertas sobre esses pontos precedendo o filme e da ausência de outros títulos no catálogo que retratassem de modo mais realista como a escravidão e a Guerra da Secessão ocorreram.
No dia seguinte à publicação do artigo, a HBO retirou o filme do ar e disse que só o exibiria novamente após a feitura de um vídeo de contextualização histórica e reflexão sobre os papéis que negros representavam nele. O vídeo explicativo foi criado pouco tempo depois e precedeu a exibição do filme na plataforma de streaming da empresa.
Não me oponho muito ao vídeo senão pelo precedente que abre, mas pergunto o que precisa ser explicado e a quem. Nenhum adulto em condições normais de educação assiste a um filme de outra época e pensa que deve reproduzir os estereótipos negativos nele representados, especialmente se aberrantes. Se aberrantes, aliás, a tendência é que causem indignação, não tolerância e imitação. E se a preocupação é com uma possível contaminação inconsciente, a cruzada terá que se expandir e matar a maior parte do que foi produzido pela arte. Talvez tenha que matar o homem.
Ainda que “matar” seja uma palavra muito drástica, o próprio excesso de explicação “local” de qualquer abordagem artística considerada ofensiva é um exagero moralista, podendo fazer com que todo livro, quadro, música ou peça de museu criados no espírito de outro tempo tenham que carregar, consigo, uma aula sobre por que aquilo é errado e como as coisas deveriam ter sido. Não duvido que logo essas explicações serão desenroladas para limpar mesmo a arte atual: o escritor cria um protagonista preconceituoso que se dá bem no romance e a editora pedirá a um membro da equipe – provavelmente o medíocre “editor de diversidade” – que arranje uma introdução pedagógica intitulada “por que o protagonista deste livro não é alguém para se admirar ou reproduzir”. Ao elaborar uma bula apontando efeitos morais adversos da história, querem garantir que o leitor não se encante por um cafajeste. Acham que O estrangeiro, de Camus, deve ter levado muita gente a naturalizar o assassinato de árabes na praia. Os mais neuróticos talvez se perguntem se as peças de Shakespeare em que há suicídio não deveriam vir acompanhadas de um encarte sobre o Setembro Amarelo.
Mas se o vídeo contextualizador e reflexivo da HBO foi criado para conscientizar crianças que acabam sintonizando filmes antigos na TV sem a supervisão de adultos, tudo bem.
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Funk é cultura. Também é cultura a famosa Corrida do Queijo que acontece anualmente na região de Cotswolds, na Inglaterra, em que redondos queijos de Gloucester são jogados de uma colina e participantes da competição têm que correr atrás deles, pegá-los e passar a linha de chegada que fica na parte de baixo dessa colina. Ganha o queijo resgatado quem for o primeiro a passar com ele pela linha de chegada. Equipes de primeiros socorros participam do evento porque algumas pessoas se machucam ao rolar pela colina, havendo casos inclusive de concussão. Diz-se que essa tradição tem no mínimo 200 anos. Experimente criticar a Corrida do Queijo em alguma página bastante acessada. Depois experimente criticar o funk brasileiro.
Quem estuda manifestações culturais alheias não será muito profissional se se preocupar em julgar antes de entender, acreditando que sua primeira missão é mostrar à comunidade acadêmica se encontrou práticas de arrepiar os cabelos ou de maravilhar os olhos entre os objetos de estudo. O relato “quando cheguei à tribo e vi que os índios cozinhavam um parente morto, comecei a gritar e explicar para eles que era horrível o que estavam fazendo” é algo que esperamos de um missionário cristão, não de um antropólogo que está escrevendo um artigo para ser apresentado em congresso da sua área. Mas se mesmo esse pesquisador pode fazer juízo de valor sobre as práticas que estuda em livros de memórias sem pretensões acadêmicas ou no ambiente protegido da sua mente – que a polícia do pensamento tenta invadir, mas parcas vezes consegue –, que diremos de nós, pessoas comuns?
A despeito do autoritarismo de alguns protestos contra a cultura “dos outros”, querendo determinar o que deve ser permitido e o que deve ser proibido com base no próprio interesse, todo mundo tem o direito de não gostar de certas manifestações culturais e de querer argumentar por que não gosta delas. A submissão das mulheres aos homens em tantos países do Oriente Médio é uma tradição cultural e não penso duas vezes antes de dizer que somos muito melhores nesse aspecto. No âmbito cotidiano e informal, posso tranquilamente chamar de triste e absurda a tradição dos pés de lótus que perdurou por séculos em algumas regiões da China. Até pelo menos os anos 70, alguns ianomâmis da Venezuela matavam membros de outras aldeias por prazer – meramente porque os consideravam covardes – e cometiam o que na nossa civilização chamamos de infanticídio. Podemos nos opor aos evangelizadores salesianos que invadiam territórios ianomâmis para tentar convertê-los ao cristianismo – afinal, não estavam apenas querendo impedir a morte de crianças – e, ao mesmo tempo, podemos não sentir admiração nenhuma por essas características da cultura ianomâmi. O relativismo tem o seu lugar – é quase impossível fazer bons trabalhos descritivos de ciências humanas sem considerá-lo –, mas não parece prudente que seja professado como estilo de vida.
Uma conversa normal:
– Detesto o funk brasileiro. Não gosto das batidas repetitivas, não gosto das letras sobre sexo e ostentação, mesmo os clipes desse tipo de música são muito ruins.
– Olha, eu gosto de algumas coisas de funk. Mas entendo que você não goste.
Uma conversa anormal:
– Detesto o funk brasileiro. Não gosto das batidas repetitivas, não gosto das letras sobre sexo e ostentação, mesmo os clipes desse tipo de música são muito ruins.
– Você detesta porque é elitista, porque tem nojo de pobre e nega às periferias o direito à manifestação cultural que não venha da sua cartilha de suposta “alta cultura”. É vergonhosa a sua posição reacionária.
Note que o primeiro falante não diz que o funk deveria ser proibido por lei ou banido das plataformas de compartilhamento de música. Ele diz apenas que não gosta do gênero e explica por quê. Se uma pessoa pode tranquilamente dizer que não gosta de power metal (e eu lhe dou toda razão), por que ao dizer que não gosta de funk o interlocutor ativista e facilmente ultrajado já supõe que esse desgosto se deve a ódio à “cultura dos pobres e pretos”? Asseguro que muita gente que não gosta de funk gosta de samba (de origem preta e pobre), de flamenco (originado de misturas culturais, inclusive da cultura cigana) e de jazz (de origem popular e preta). Querer obrigar todo mundo a dar valor a todas as culturas originadas dos pobres de qualquer época para assim provar estima pelos pobres (?) não tem nenhum cabimento.
Por mais paradoxal que possa parecer num primeiro instante, santificar minorias é uma forma de desumanização. Participam dessa glorificação nociva aqueles que dizem que “gays são maravilhosos”, que “pobres são virtuosos” e que “o mundo seria perfeito se mulheres estivessem em cargos de poder”. Gays, pobres e mulheres realistas sabem que nada disso é verdade, e que a expectativa de que sejam impecáveis enquanto grupo cria uma responsabilidade perversa sobre condutas alheias que eles não conseguem (nem querem) controlar. O que desejam os canalhas que nos reverenciam de modo disparatado e assim atravancam nosso acesso à humanidade comum? Tem exaltação que é puro rebaixamento.
Também é direito de qualquer pessoa proceder a uma hierarquia cultural, embora reconhecendo que diversas manifestações culturais possam coexistir. Uma mãe muito liberal ainda pode preferir colocar seu filho adolescente nas aulas de piano, sem ficar em conflito relativista pensando que “na verdade, tanto faz se eu colocá-lo nas aulas de pancadão ou de piano, pois ambos são igualmente bons”. É natural e recomendável que façamos julgamentos culturais: isso faz parte da nossa liberdade e da construção da nossa individualidade. Ao conhecer coisas novas é preciso tanto avaliá-las quanto reavaliar as velhas, pois mudar de preferências exige exame e classificação. Haverá quem critique as artes das quais gostamos – o que geralmente não tem problema e também pode nos incentivar a progredir na apreciação artística –, e do mesmo modo nós somos livres para maldizer o gosto alheio. Gosto se discute, e muito. Mas parece que alguns gostos estão blindados da crítica.
Sem que o funk brasileiro pedisse, muita gente da classe média culpada assume a incumbência de defensora pública da cultura periférica como quem protege os desamparados da opressão. O paternalismo não existe sem o papel da vítima, mas será que aqueles que se orgulham do funk que produzem querem atuar nesse papel e receber o abraço misericordioso do andar de cima, cheio de pessoas que mal reconhecem? O funkeiro que espera vender sua música, crescer na indústria fonográfica e fazer a juventude descer até o chão aprecia essa militância que ao praticar condescendência ofensiva muitas vezes degrada o protagonismo do funkeiro, agora reduzido a alguém que “precisa de ajuda para ser defendido”?
Entre o respeito e a pena há uma grande distância que pode ser medida pelo discurso e pela tragédia do melodrama. Algumas pessoas confundem as duas coisas, põem-se com afetação e ranger de dentes sobre palcos que elas mesmas montaram numa comunidade que não lhes pertence, prestam serviços de advocacia a quem é plenamente capaz de se defender. Não acho exagero dizer que em muitos casos, no campo das ideias e das artes, quem nos critica nos respeita mais como indivíduos do que quem sente piedade de nós. Aqueles que estão com a autoestima em dia não costumam gostar de ser tratados como coitados.
Quando estourou a Revolução Iraniana (ou Revolução Islâmica) em 1979, Kate Millet, feminista estadunidense, foi ao Irã fazer discursos em prol do feminismo, movimento que com a ascensão do aiatolá Khomeini ao poder perderia prestígio e direito de atuação. No final de uma reportagem do Fantástico na época, uma mulher iraniana interrompe a fala ao ar livre de Millet para dizer que também era contra o xador – véu que cobre todo o corpo feminino, com exceção do rosto –, mas que “não precisava de ajuda externa”. É interessante observar o conflito entre a postura “as feministas iranianas precisam de mim” e a reação “vá embora, podemos nos defender sozinhas”. Millet podia ser bem-intencionada, mas era talvez maternalista e seguramente mal informada, pois parte da revolta dos iranianos se deveu à exaustão de receber tantas ingerências exteriores em seu país, especialmente dos Estados Unidos. A vontade de proteção às vezes é uma presunção.
E é aí que se insere algo da tese identitária sobre roubo de protagonismo. O conceito desandou – quase tudo que começou justo no identitarismo desandou –, mas seu princípio tem algum bom senso. Se o movimento negro, o movimento feminista e o movimento gay têm suas pautas e são capazes de sustentá-las, não é soberba que pessoas externas a eles extrapolem a ideia de respeito, queiram “ajudar” com atos dramáticos, e acabem, de propósito ou sem querer, buscando aparecer ainda mais que os membros diretamente ligados aos movimentos? O que é que Fábio Porchat pensa que está fazendo ao criar um banner em que diz que é um “racista em desconstrução”? Isto não é sobre você, Porchat: pode desligar o holofote, recolher o caixote e ir para casa.
Como disse a jornalista Lygia Maria em seu Twitter, famosos que vêm a público anunciar um grandioso “eu sou racista” não dão nenhum exemplo claro do que fazem de racista. Não confessam que preterem negros em relação a brancos, que não querem que seus filhos se casem com mulheres negras, que evitam estar ao lado de homens negros em aglomerações. Com o vago “eu sou racista, pois todos somos racistas”, esses chamarizes de atenção enganam os militantes impressionáveis e caroneiros, irritam os militantes orgulhosos afetados pelo racismo amplo que alegam existir em seus mundos de paranoia estrutural e não precisam responder por nada de objetivo.
Se quem diz “somos todos racistas” desse um único exemplo pessoal de prática racista, mesmo que no passado distante, a reação popular viria sob gritos, paus e pedras, além de exigência de demissão à empresa onde o confessional racista trabalha. Celebridades estão se exibindo com o bordão “eu sou racista”? Chamem a polícia. Depois queremos assistir ao desagravo com os possíveis “veja bem” e “não, não é que eu seja um racista-racista” seguidos de citações de livros da Coleção Feminismos Plurais e com o delegado fazendo cara de que algo não lhe caiu bem no estômago. Inquiridos, os exibicionistas tentarão se defender dizendo que são racistas “filosóficos, metafísicos”, e serão enxotados da sala como moleques que precisam arranjar mais o que fazer. Com o susto talvez aprendam algo sobre não banalizar o sentido das palavras graves. Atendendo a chamados futuros, a polícia precisará questionar se a denúncia se trata de racismo-racismo ou de racismo transcendental.
Você é racista, Porchat? Dê exemplos. Um racismo assumido e que não pode ser reduzido a termo quase certamente é só uma confissão vaga que espera ser celebrada.
Num momento em que a popularidade nas redes sociais desbancou até o desejo sexual – é engraçado que uma esquerda que já foi liberada contribua para a redução coletiva da libido, pelo menos dos heterossexuais de classe média –, não admira que tantos queiram aderir a novos modismos para aparecer às suas custas. O identitarismo, tendência, tem possibilitado assunto e discurso exibitório de virtude para elevar alguns babacas fenomenais. Fica ao gosto do freguês decidir quando isso provém de distorção – é possível, pois se até Jesus foi distorcido em seus sermões ultradidáticos – e quando essas atitudes vaidosas são perfeitamente explicáveis dentro de uma ideologia construída para promover fracassados e aproveitadores. Há militantes noviços exaltados em colunas e postagens que só passam credibilidade a quem exerce cegueira voluntária. Tem fraude que se lê na cara e no cheiro de vendedor de carros que o texto exala pelas linhas. Espero que canastrões morais possam finalmente encontrar um público que perceba como atuam mal. Para esse teatro interativo quero comprar bilhetes com assento no camarote. Desmarcarei outros compromissos. Na bolsa levarei um binóculo e um saquinho de amendoim japonês.
Arrematando a elevação cultural do funk, há quem chame o gênero de “resistência”, colocando-o como forma de protesto político da periferia. Isso é forçar a barra. Podem até existir letras que sirvam ao ativismo, mas mesmo aqui é preciso separar o estilo à procura de um assunto do assunto à procura de um estilo. A indústria musical está infestada de letras de protesto que servem à rebeldia vazia e à vontade de chocar. Além disso, são raros os músicos satisfeitos com a melodia sem voz – às vezes a voz é necessária para melhorar o conjunto, que seria fraco com uma melodia simplória soando sozinha –, e são poucos os músicos que fazem como Ed Motta, que é despreocupado com o sentido da letra porque acredita no poder do som das palavras: “Marta escolhe o seu lugar/ Senta atrás do banqueiro/ Planejou, foi certeiro/ Marta sabe arquitetar/ O transmissor nuclear/ Vai ativar/ O som do sonar/ Do mar/ Ao pousar no estaleiro”. Ou seja, se você vai montar uma banda de punk ou um grupo de funk ou uma roda de pagode, vai precisar de assunto. Alguns escolhem assuntos “de protesto”, outros escolhem assuntos já marcados pelo gênero no qual compõem.
O funk tem muitas letras exaltando intensa vida sexual, ostentação e bandidagem. Não julgarei esses temas porque eles estão presentes em muitas das músicas de hip-hop que eu ouço também, mas gostaria de entender que salto ornamental a esquerda romântica fez para chamar todo esse entretenimento de “resistência”. Músicas que são criadas para bailes em que os jovens querem dançar, exibir seus atributos físicos e apavorar sobre os valores dos pais são muito mais para dar sentido à festa do que para dar sentido a um inventado ativismo. O funk mais difundido resiste a quê? Ao recato, ao tênis barato e à lei? Mas desejar carros caríssimos, roupas de marca e popozudas é resistir a que, exatamente? E pelo que protestam? Ou é um protesto niilista? Marx & Engels não estariam muito satisfeitos ao visitar os bailes do Furacão 2000 e não se deixariam enganar nem por um segundo pelo trecho “Então martela/ Martela/ Martela o martelão”.
O verniz politizado que jogaram sobre pichadores segue a mesma liturgia. Jovens periféricos geralmente do sexo masculino estão à procura de aventura e desafios. Escalam pontes, prédios e trens para “deixar a sua marca”, que é mais para impressionar outros da sua área e de áreas rivais pela ocupação de território do que para protestar contra a desigualdade. Às vezes também pensam que estão atuando “contra o sistema”, mesmo sem conseguir definir que sistema é esse e sendo incapazes de elaborar uma reivindicação que não seja confusa, filha do achismo divagado – fazem da oposição não uma causa, mas um maneirismo. Pouco disso é apanágio dos pichadores ou de sua classe: jovens abonados têm a mesma programação de buscar o risco e a rebeldia, mas a estrutura familiar e o meio em que vivem talvez não permitam que esse impulso seja tão exacerbado. Ultrapassar limites de velocidade num carro esportivo ou pichar o túnel de um metrô, fazer uma faculdade que o pai desaprova ou largar o ensino médio: atitudes tão diferentes, mas que podem ter uma raiz comum.
Esse misto de situações somado a uma vida de poucas perspectivas ajuda muito a explicar o pichador. Há, todavia, quem prefira fazer história encantada dele – suas motivações seriam ativistas e um chamado à sociedade: “vejam, sou um animal político”. Quem leva a sério essa análise artificiosa de consciência de classe pensará que esses jovens estão pedindo melhores escolas públicas, emprego, bibliotecas comunitárias. Convido aos românticos que façam projetos para as periferias em que tudo isso seja oferecido e vejam a adesão dos pichadores. A realidade mostrará que nada é simples. (Mas um trabalho muito bom pode ser feito com os irmãos menores deles.)
Assim como o funk serve geralmente ao entretenimento, não à política, o picho geralmente serve à aventura e ao tribalismo, não à resistência. Cortadores de cana que após 12 horas de labor vão começar um torneio de baralho não estão “resistindo ao canavial por meio de jogos de cartas”: eles querem se divertir e relaxar. A empregada doméstica que aproveita seu dia de folga no domingo para ir à missa não está “fazendo um ato político”, mas procurando conforto religioso. O pedreiro que passa no bar antes de ir para casa a fim de se embebedar não está “protestando contra sua condição de classe”. É possível que ele seja mais suscetível ao alcoolismo por viver num desastre socioeconômico constante, mas resistência, protesto e atos políticos demandam um mínimo de consciência sobre o significado daquilo que se está fazendo. Por que bebe? Ele vai dizer que é porque gosta. Mas se disser que é para “esquecer os problemas”, ainda assim seu ato não se torna político. Milionário muitas vezes também bebe por esse motivo.
Em um país mal instruído como o Brasil, nem o voto é sempre um ato político. Se pensarmos “ato político” como uma prática advinda da consciência política, ainda que às avessas (o fascismo também é um ato político), veremos que o conceito não se aplica a muita gente que sai de casa para eleger um candidato.
São inúmeros os brasileiros que mostram pelo voto que são completamente alienados em política. Quem resolve conversar com as pessoas e se coloca a ouvi-las com atenção em vez de meramente esperar sua vez de falar sabe que o dever do voto foi compelido sobre cidadãos perdidos que não têm ideia do que estão fazendo. Se nem o símbolo supremo do direito político é em todas as situações exercido como um ato político, é infundado e é até uma fabricação da realidade alegar que toda manifestação cultural periférica é uma forma de resistência e de ação politizada. Não é.
Quando alguém da periferia diz que é, antes da concordância é melhor escavar a origem da alocução. Às vezes estamos há muito tempo fazendo determinada coisa e uma pessoa externa – ou uma pessoa interna que faz intercâmbio em outros círculos – põe um rótulo inadequado sobre aquilo que estávamos fazendo. Se aceitamos a rotulagem, há casos em que mudamos nosso modo de fazer para que fiquemos mais coerentes com o rótulo, mas também há casos em que o rótulo é só um papel que não altera o conteúdo no qual ele gruda. Portanto, ainda que funkeiros e pichadores se encantem pela ideia de chamar suas manifestações culturais de “resistência” e “ato político”, da própria cabeça ou incentivados por outros, isso pode não modificar em nada a essência do que fazem. As coisas e as pessoas são o que são, não o que dizem que são – embora exista um comércio de falsários que conseguem se vender apenas pelo gogó porque há compradores iludidos achando que coisas e pessoas são mesmo o que dizem ser.

Politizaram na marra a diversão e o desejo de aventura dos jovens pobres. Querendo que tudo seja político e vendo que nem tudo assim é, ideólogos pegaram o atalho de inventar politização onde ela não está. Nada escapa à megalomania militante. Nem o baile, nem o picho.
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NOTAS
1. Não me entenda errado, gosto do chamado “funk das antigas”, mas apoio que todos os gêneros musicais possam ser criticados. Isso não impede a “crítica à crítica”, desde que ela não seja, à toa, uma excomunhão moral. Está muito fácil chamar de racista, elitista e malvado quem não gosta de alguma manifestação cultural periférica. Pode-se criticar tudo, menos a periferia? Não desumanize os pobres com advocacia paspalhona.
2. O poder do sample. Algumas das músicas mais conhecidas do funk carioca devem parte do seu apelo à boa escolha de samples. Quando comecei a namorar o André, estávamos fazendo uma das nossas tradicionais festinhas com cerveja, petiscos veganos e músicas intercaladas escolhidas por um e outro. Era a vez dele de escolher a música. Quando ela começou a tocar, eu falei “isso é Tati Quebra-Barraco, rs”; ele replicou “isso é Layo & Bushwacka, rs”. Até aquele momento eu não sabia que o ótimo som de fundo de “Boladona”, da Tati, era um sample da música “Love story”, da dupla de house Layo & Bushwacka. Não consegui descobrir quem é o responsável pela escolha do sample dessa música, mas como o álbum da Tati onde ela está foi produzido pelo DJ Marlboro, que é uma enciclopédia musical, chuto que foi ideia dele.
“Cerol na mão”, do Bonde do Tigrão, tem sample da música “Headhunter”, do Front 242, e “O baile todo”, do mesmo grupo, tem sample da “Who let the dogs out”, do Baha Men.
(E a própria “Love story”, de Layo & Bushwacka, usa como base a música “Mongoloid”, da banda Devo.)
2.1. Tem quem ache que músicas desenvolvidas em cima de samples são cópias que não merecem crédito. Eu discordo. É necessária alguma arte pra saber copiar. Quentin Tarantino é um excelente copiador – apropria coisas de inúmeros lugares, mistura elementos próprios e consegue criar um resultado inovador –, a Era de Ouro do Hip-Hop estadunidense usou muitos samples de jazz como base e compôs músicas sensacionais. Algumas colchas de retalhos são bonitas, outras são feias: é preciso saber escolher os retalhos e saber como costurá-los.
2.2. O que existe de ruim no mundo da cópia:
a) Os maus copiadores. Copiam errado ou copiam o que não presta.
b) Os que só copiam. Imitam tudo que os outros fazem e não conseguem adicionar nenhum bom elemento próprio à mistura.
c) Os que copiam algumas vezes, enganam por um tempo, mas depois não conseguem se sustentar na cópia. É comum na internet, onde pessoas copiam ideias bem elaboradas e sintetizadas de outros, mas se são cavoucadas a se aprofundar no assunto não conseguem. Quando simplórios surgem com opiniões muito arredondadas sobre uma questão difícil, suspeite. Possivelmente a opinião não apareceu de “algumas leituras seguidas de um longo pensamento”, mas de pura cópia de uma opinião alheia já finalizada. A opinião alheia é que surgiu de algumas leituras seguidas de um longo pensamento.
Já me aconteceu, há alguns anos, de receber aulas não requisitadas de uma pessoa que queria me mostrar suas grandes ideias, mas tudo que essa pessoa disse tinha sido elaborado nos últimos textos muito particulares de um colunista de jornal. Eu queria ter perguntado “você não deveria dar crédito ao colunista desse jornal que nós assinamos, já que está usando os últimos textos dele de ponta a ponta como se fossem ideias suas?”, mas não perguntei. Às vezes vale a pena deixar que os outros achem que nos enganam.
2.3. Não acho que devemos dar crédito a tudo e todos de maneira obsessiva – a vida não é um artigo acadêmico –, mas se nós temos um grande guru que copiamos com muita frequência talvez seja o caso de fazer alguma menção. Ler alguém escondido, adotar a maioria das suas ideias, fazer de conta que todas essas ideias resultam da sua pesquisa em muitas fontes junto ao processo do seu pensamento e não dar nenhum crédito ao guru – isso não é muito honesto.
– Engraçado, 90% do que você fala sobre filosofia é puro Schopenhauer.
– Não sei quem é Schopenhauer. Essas ideias sobre o mundo como vontade e representação são minhas.
2.4. Parece que estou dando indireta para alguém em especial, mas não estou.
3. Não me entenda errado, apoio a decisão de Ed Motta de não se preocupar com o significado das letras porque as palavras já têm uma sonoridade própria. (Adoro inúmeras das suas composições, aliás: seu álbum AOR, de 2013, é uma joia). Existem músicas que são ótimas em letra e melodia, que bom, mas a finalidade da música é a… musicalidade. Não procuro as letras da maioria das músicas estrangeiras que ouço. A voz modulando em cima da melodia já me cativa. Já chorei com músicas cujas letras não compreendia.
4. Advogados morais se parecem com alguns advogados comuns: você apresenta seu problema e eles aumentam o número de pedidos na causa. Um processo que seria apenas sobre a falta de pagamento de FGTS se transforma, na criação desses espetaculares, em pedido também de danos morais, horas extras e equiparação salarial. O funkeiro que deseja somente <FAZER SUCESSO> e <GANHAR DINHEIRO> se vê às voltas com um advogado moral que diz “tudo bem, mas vamos aproveitar para reivindicar que você enaltece o Brasil, que a sua cultura faz parte da resistência e que cantar na periferia é um ato político”.
– Não posso só fazer sucesso e ganhar dinheiro?
– Por que se contentar com uma parte se podemos ter tudo? Vamos pensar grande! Vamos pedir qualquer coisa que esteja ao nosso alcance!
5. Mili, a pequena militante:



















6. Texto escrito ao som de “Sous le soleil de Bodega”, do Les Négresses Vertes, e outras coisas.
6.1. Outras músicas que recomendo do Les Négresses Vertes: “Ces’t pas la mer à boire”, “Orane”, “L’homme des marais”, “Hey Maria”, “Les yeux de ton père”, “Famille heureuse”, “Face à la mer” e “Accouplés 2020”.